A vocação do leigo

Em nossas reuniões e eventos é comum ouvirmos falar sobre a missão da Igreja no mundo, a necessidade de levar o Evangelho a todos os cantos, etc. É bem possível que diante desse tema venha à mente do leitor a imagem de padres missionários na África, em alguma tribo indígena ou numa inédita obra social na periferia da cidade. É impressionante a freqüência com que, ao falarmos de “missão da Igreja”, pensamos apenas naqueles que pregam diante do altar, no clero. Quando pensamos assim, erramos.

Cristo deu a missão de evangelizar à Igreja como um todo, e no meio desse “todo” estamos nós, os leigos. Apesar dos inúmeros grupos, movimentos e pastorais atuantes em nossas paróquias, atrevo-me a dizer que, em geral, há pouca compreensão sobre papel do leigo na Igreja. Somos vítimas de uma quase irresistível tentação de separar as pessoas entre aquelas que têm “funções especiais” na Igreja e o “povão”. A pior parte disso é a idéia que vem embutida no conceito de “povão”, como se esses, que não têm “funções especiais na Igreja”, não precisassem assumir completamente o compromisso que é de todos os cristãos, independentemente de usar batina ou não.

O Concílio Vaticano II, apresentando a doutrina de sempre, mas de forma apropriada ao nosso tempo, já se preocupava com essa tendência de achar que a Igreja só se realiza nas limitações físicas das paróquias, ou nas ações de ministros ordenados. A Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta um capítulo inteiro dedicado ao papel do laicato na Igreja. Reproduzo aqui um trecho que é de uma precisão bastante esclarecedora:

“Os leigos estão particularmente chamados a tornarem a Igreja presente e atuante nos lugares e condições onde ela não pode ser sal da terra a não ser por meio deles” (Lumen Gentium, 33).

Ou seja, nas atividades ditas “temporais”, como no trabalho, na família, na política, nas escolas e universidades. Nesses e em tantos outros ambientes em que vivemos, quando não agimos como cristãos, quando não nos preocupamos em dar exemplo de vida e quando tomamos posições contraditórias à nossa fé, estamos cometendo um erro semelhante a de um padre que ignora o pedido de conselho de um fiel, ou de um diácono que não leva a comunhão a quem está doente ou ainda de um bispo que não governa devidamente sua diocese.

Se o padre é padre o tempo todo, e o bispo é bispo o tempo todo, o leigo também é leigo o tempo todo e em qualquer lugar, não só dentro das estruturas sólidas da capela que freqüenta. Aliás, embora seja legítima a presença de leigos nas atividades intra-eclesiais, é no meio do mundo que está a responsabilidade primordial dessa vocação, justamente por ser, muitas vezes, uma área de alcance exclusiva do laicato.

O Papa João Paulo II tratou do tema muitas vezes durante seu longo pontificado. Separei um trecho da Exortação Apostólica Ecclesia in América onde ele explica (obviamente melhor do que eu) aquilo que tentei esboçar acima:

“Duplo é o âmbito em que se realiza a vocação dos fiéis leigos. O primeiro, e mais condizente com o seu estado laical, é o das realidades temporais, que são chamados a ordenar conforme a vontade de Deus. De fato, com seu peculiar modo de agir, o Evangelho é levado dentro das estruturas do mundo e, agindo em toda parte santamente, consagram a Deus o próprio mundo”.

(...)


Um segundo âmbito no qual muitos fiéis leigos são chamados a trabalhar, é aquele que se poderia definir ‘intra-eclesia’. São muitos os leigos na América que nutrem a legítima aspiração de contribuir com os seus talentos e carismas na construção da comunidade eclesial, como delegados da Palavra, catequistas, visitadores de enfermos ou de detentos, animadores de grupos, etc.


(...)


De qualquer forma, mesmo devendo-se estimular o apostolado intra-eclesial, é preciso que este coexista com a atividade própria dos leigos, em que eles não podem ser substituídos pelos sacerdotes, isto é, o campo das realidades temporais”
(Ecclesia in America, 44).

Destaco aqui a preocupação do Santo Padre em mostrar que os leigos, como parte integrante da Igreja de Cristo, são insubstituíveis “no mundo”. Isso quer dizer que se eu ou você não cumprirmos nossa tarefa de cristãos em nossa família, trabalho ou faculdade, ninguém vai cumprir, o trabalho ficará sem ser feito porque alguém foi omisso, alguém não fez o que devia ter feito, e esse alguém não foi o padre. Cristo não apresentou aos seus discípulos a tarefa do anúncio como uma possibilidade, mas como uma ordem clara àqueles que Nele acreditam. Assim lemos em São Marcos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15).

Certa vez um amigo bem humorado, parodiando a música de um famoso cantor brega, recitou uma verdade simples e profunda de nossa fé. A cantoria dizia mais ou menos assim: “homem é homem, menino é menino, padre é padre e leigo é leigo”. Todos — cada um de acordo com a sua própria condição — devem cooperar de modo unânime na tarefa comum, no apostolado. Na Igreja há diversidade de funções, mas uma única missão. Todas as vocações são distintas, todas são importantes e nenhuma é dispensável. Se é impossível que uma missa aconteça sem sacerdote, tão impossível quanto é a existência de uma sociedade mais cristã sem leigos que entendam e assumam a vocação que possuem.

Comentários

  1. A,como eu queria que todos os leigos tivessem a oprtunidade de ler este artigo, pois, hoje nas paroquias e comunidades funciona desta maneria como voce dizia no texto,as pessoas acham que somente determinadas pessoas tem "funções especiais" porque esta mais proximo da comunidade, mas o que acontece e que estas que nao trabalham nao se interessam pelo serviço da igreja.

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